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O trabalho sob a ótica de Christophe Dejours: uma pequena crítica

2010
contatanderson@gmail.com
Graduando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS), Campus em Arcos, Brasil

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O trabalho sob a ótica de Christophe Dejours: uma pequena crítica

Christophe Dejours, no artigo “Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho?” — publicado na edição número 139 da revista CULT —, demonstra como o trabalho, apesar de ser fonte de inúmeros problemas físicos e psicológicos, pode contribuir para a saúde mental do trabalhador. Nesse artigo o autor trabalha com as questões: formação da identidade e saúde mental do trabalhador.

Primeiramente ele menciona que o problema da saúde mental no trabalho tem relação com a evolução da organização do trabalho e, particularmente, com a introdução de novas estratégias, como é o caso, citando apenas uma delas, da avaliação individualizada de desempenho. Essa evolução aumenta a pressão produtiva por um lado e, por outro, acaba provocando isolamento e solidão.

O trabalhador se depara constantemente, durante seu ato de trabalhar, com o real, que, nada mais é que a resistência da matéria, dos utensílios ou das máquinas utilizadas no trabalho. Dito de outra forma: o real são as dificuldades encontradas durante a atividade profissional. Para um sujeito trabalhar ele precisa saber lidar com o real e, nesse caso, a inteligência é fundamental; ela é a capacidade de reconhecer o real, assumir a impotência perante ele, perceber que perdeu o controle da situação. Mas o trabalhador, sendo capaz de resistir ao fracasso, ou seja, sendo capaz de sofrer, pode encontrar a solução para os problemas provocados pelo real. Assim, por meio da inteligência, ele acaba resolvendo os problemas, e sua inteligência se desenvolve. Não obstante, os problemas enfrentados pelo trabalhador no seu trabalho provocam sofrimento, mau humor, sonhos, e vários outros tipos de reações; tudo isso é invisível, e parte essencial do trabalho.

Todo trabalho é realizado numa interseção entre o trabalho individual e o trabalho coletivo; nessa interseção está o sofrimento. As pessoas, segundo o autor, assumem riscos e sofrem porque esperam uma retribuição. Fazem um trabalho individualmente num plano coletivo esperando serem recompensadas. Essa recompensa não é somente uma recompensa material, mas também uma recompensa simbólica. Trabalhando, o trabalhador espera o reconhecimento: reconhecimento da utilidade e qualidade de seu trabalho. Assim, o reconhecimento do trabalho é o que permite a transformação do sofrimento em prazer. Mas isso não é um fato que ocorre de uma hora para outra: é necessário que o trabalhador passe pelo trabalho, pelo desafio do real, pelo sofrimento e pela descoberta de soluções que resolvam os problemas encontrados durante sua atividade. É um longo percurso até chegar ao prazer.

Segundo Dejours, o reconhecimento da qualidade do trabalho pelos outros acaba proporcionando a destinação do reconhecimento do registro do fazer para o registro do ser, ou seja: eu sou mais esperto, mais hábil. Essa passagem do registo do fazer para o ser acaba fortalecendo a identidade do trabalhador. O reconhecimento da qualidade do trabalho também proporciona ao trabalhador a idéia de pertencimento a um grupo, por exemplo: sou um psicólogo como os outros psicólogos. Assim, o reconhecimento confere ao trabalhador, em troca do sofrimento, um pertencimento que faz desaparecer a solidão.

O autor diz que a identidade é o alicerce da saúde mental, então, o trabalho, por meio dinâmica do reconhecimento, contribui para o desenvolvimento da identidade e, consequentemente, para a manutenção da saúde mental. Muitos desempregados, por não contribuírem de alguma forma no mundo do trabalho, ficam doentes, pois não têm o reconhecimento.

Dejours menciona que atualmente algumas organizações não se preocupam com a questão do reconhecimento, e diz que é necessário, além de agir para sanar o problema do desemprego, mudar os métodos de organização do trabalho.

Uma apreciação crítica para encerrar.

O autor apresenta seus argumentos de forma bastante consistente, contudo, diante do cenário econômico mundial contemporâneo, o trabalho é um dispositivo que auxilia na manutenção de uma economia caótica e irresponsável. O trabalho é, obviamente, necessário à sobrevivência, não obstante, da forma como está sendo utilizado pelo sistema econômico atual, funciona como um instrumento alienante, que amarra o trabalhador a uma idéia de progresso que, se for observada com atenção, é absurda. A atual cultura do capital financeiro, os problemas ambientais, os apelos imperativos ao consumo desenfreado; tudo isso deve ser levado em consideração quando se pensa em trabalho. O trabalho é necessário à sobrevivência sim, mas não deve ser usado para a manutenção de um pseudo-progresso. Sendo assim, pensar em reconhecimento (como proposto por Dejours) sem levar em consideração o que realmente significa trabalhar atualmente, bem... é só parte da solução para o grande problema.

Mudar a forma de organização do trabalho não seria suficiente. Seria necessário também agir para mudar todo o sistema; após uma grande mudança no atual sistema econômico, e uma mudança na forma de pensar contemporânea, aí sim talvez fosse possível resolver os problemas relacionados ao trabalho. Utopia? Talvez, mas se não surgirem novas formas de pensamento o mundo vai sofrer as conseqüências a logo prazo.

Voltando ao autor; os argumentos de Dejours são magistrais, e sua idéia de reconhecimento parece ser uma forma de, pelo menos, amenizar um pouco o caos existente hoje no mundo do trabalho.

 

Referências:

DEJOURS, Christophe. Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho? CULT, São Paulo, n. 139, p. 49-53, set. 2009.

 

www.temasanderson.blogspot.com