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A mente que mente nas decisões de consumo

2007
geral@paulovieiradecastro.com
Director do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto Superior de Administração e Gestão do Porto, Portugal

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A mente que mente nas decisões de consumo

Alguns mecanismos de tomada de decisão em ambientes de comportamento motivado estão já catalogados pelas neurociências, sendo muitas as empresas que se debruçam  sobre um dos mais complexos paradigmas do comportamento humano contemporâneo; o consumo. Esta investigação é suportada, desde há vários anos, por modernas tecnologias psicológicas e por máquinas de uso convencional na medicina, como a tomografia ou a ressonância magnética. Ligar indivíduos a máquinas de scanner cerebral, ao mesmo tempo que  estes observam marcas, videoclips publicitários, discursos políticos, traillers cinematográficos, etc., é um procedimento que permite aos pesquisadores observar a excitação que ocorre ao nível dos circuitos cerebrais. Um dos objectivos destas experiências passa pela tentativa de descodificar os mecanismos de fidelização de grupos de consumidores alvo.

Actualmente, existe uma corrente de opinião que dá conta de um novo horizonte da decisão humana, levantando-se a possibilidade dos segredos das decisões de consumo poderem estar associados ao sistema primário da motivação inconsciente. Assim, longe da expressão do exclusivo interesse racional do ser humano, ou do campo emocional, torna-se prioritário estudar a emancipação das regiões mais primitivas do cérebro.

Logicamente, qualquer um será capaz de deduzir que não é prudente viajar de automóvel ao dobro da velocidade aconselhada por lei; contudo, há muita gente a fazê-lo sob pena de colocar várias vidas em perigo. O mesmo poderemos dizer quanto às decisões de consumo. Quantas são tomadas de forma inexplicável? Estes exemplos remetem-nos para a necessária existência de outros campos cerebrais para além do racional quando pensamos no consumo.

Grande parte das motivações que levam à compra partem do inconsciente, assim, num futuro próximo, os métodos tradicionais de estudo do comportamento do consumidor serão substituídos pelo scanner da mente, permitindo para além disso, do ponto de vista da aplicação neuroeconómica, investigar questões como a satisfação, a ganância, o altruísmo, a raiva ou o medo. No futuro, muitas das maiores organizações terão um departamento de neurociências, cuja importância será determinante na investigação mercadológica, tornando-se uma importante ferramenta de suporte para o processo de decisão estratégica, destacando-se como uma potente técnica de inquérito. Compreender parte das emoções vividas durante as experiências de consumo, só foi possível colocando as neurociências ao serviço de organizações multinacionais, surgindo deste encontro o neuromarketing, que nada mais é do que o estudo neurológico do estado mental dos indivíduos, quando expostos a mensagens relacionadas com experiências de consumo.

Desde o ano de 2001 que o scanner da mente tem vindo a ser utilizado um pouco por todo o mundo. O processo, na prática, é muito simples de entender, pretendendo-se que os investigadores possam identificar as partes do cérebro que são estimuladas durante as experiências de consumo, descodificando padrões de comportamento inconscientes. Observar os campos eléctricos do cérebro torna-se mais credível que o processamento estatístico, realizado em torno de questionários tipo ou de entrevistas de grupo.

As limitações do neurobusiness são evidentes, já que este não consegue prever as mudanças de comportamento, assim como não lhe é possível mudar as convicções dos consumidores. Dado que se trata de uma técnica descritiva, não destrutiva, pensada para analisar o comportamento do cérebro, não pode induzir comportamentos nos consumidores. O neuromarketing mapeia o processo mental em torno dos benefícios  que poderão levar o cliente a comprar uma determinada marca; todavia, não o pode obrigar a consumir.

A razão que fundamenta esta moderna e potente ferramenta de análise relaciona-se com a ideia que a linguagem se desenvolve a partir de si mesma, ou seja, o que eu falo funciona, tantas vezes, ao revés do que penso. As dúvidas que se levantam para os analistas de marketing prendem-se com a possibilidade de as respostas aos questionários não serem sinceras, ou mesmo, com a hipótese de em sessões de grupo existir a probabilidade de um, ou mais, de entre os entrevistados, tentarem influenciar a restante amostra.

Vários estudos da área das neurociências confirmam o que há muito se desconfiava relativamente à relação que estabelecemos com o consumo. Este é, segundo Montagne, do Baylor College of Medicine (EUA), tudo menos racional. As experiências de Montagne tornaram-se clássicos do neuromarketing, apontando as decisões de consumo como ligadas ao comportamento meramente emotivo. Ao realizar os já clássicos testes cegos com os populares refrigerantes Coca-Cola e Pepsi, foi possível evidenciar as zonas do cérebro que são responsáveis pela influência inconsciente durante experiências de consumo. Quando os voluntários sabiam que estavam bebendo Coca-Cola, independentemente da sua preferência pela marca, acendiam-se as zonas do cérebro onde se movimentam as emoções e o afecto. Se este mesmo grupo de indivíduos bebia Coca-Cola por copos não identificados, as zonas do cérebro, anteriormente identificadas, não se iluminavam.

Concluiu-se que neste caso a preferência da amostra estava relacionada com a identificação da marca e não com o sabor. A relação psicológica, emocional, cultural, etc., que temos com os produtos, suplanta os valores que nos são transmitidos através do gosto ou do aroma. Não é o paladar que conta, mas a marca, ou a construção inconsciente que dela temos. Um outro exemplo clássico são as experiências realizadas nos EUA a propósito do 11 de Setembro. Analisaram-se os impulsos eléctricos cerebrais de republicanos e democratas quando confrontados com imagens de terror relacionadas com os atentados deste fatídico acontecimento. A área do cérebro associada ao medo acendia-se mais vivamente nos democratas convictos que nos republicanos.

O neuromarketing permite, igualmente, analisar decisões de investimento. Clássicos são, igualmente, os estudos que mediram a actividade cerebral de homens e mulheres enquanto jogavam o Investiment Game. Curioso é observar que a actividade cerebral dos homens é substancialmente reduzida a partir do momento em que tomam a decisão, ao contrário das mulheres, que demonstram uma actividade cerebral contínua em três áreas distintas: uma, que concentra a recompensa, outra que tem a ver com o planeamento e a organização, e uma última área onde se calcula e monitoriza as desordens obsessivas-compulsivas.

O neurobusiness é frequentemente confundido com outras aplicações tecnológicas ao nível cerebral. Referimo-nos, em especial, à e-terapy já usada no nosso país. Trata-se de técnicas psicológicas, associadas a software especializado, cujo principal objectivo passa por reprogramar o cérebro humano de forma a fazê-lo esquecer traumas, medos, dores crónicas, iludindo alguns dos estados de espírito mais indesejáveis. Alguns críticos estimam que, no futuro, estas tecnologias poderão ser usadas para estimular a actividade em zonas do córtex associadas a emoções ou, ainda, para aumentar ou diminuir a tensão ao nível do impulso racional, envolvendo o consumidor em estados emocionais propícios a determinados hábitos de consumo. Uma outra possibilidade de influência tecnicamente assistida do comportamento humano, salientada pelos críticos do neurobusiness, prende-se com os chips que são já aplicados de forma promissora em cérebros de doentes com Parkinson, ou com traumas ao nível obsessivo-compulsivo. Seria eticamente reprovável que estas tecnologias fossem utilizadas com outros propósitos que não os médicos.

Há muitos anos que algumas empresas de comunicação começaram a desenvolver esforços no sentido de atingir a mente dos consumidores através de programação dedicada ao subconsciente. Talvez este motivo seja suficiente para reflectirmos a propósito das intenções que estão por detrás de algumas mensagens publicitárias.

 Será que é ao nível do velho cérebro que vamos encontrar a mais antiga mistificação dos publicitários, aquilo a que estes chamam de buy botton?  Será  aqui que  poderemos encontrar o que Jung relacionou com a herança histórica de todas as civilizações. Assim, chegar ao cérebro primitivo permitir-nos-á compreender os próprios mecanismos de sobrevivência humana e consequentemente avançar no conhecimento sobre a evolução da humanidade.

Talvez o ser humano não tenha nascido para consumir; no entanto, será interessante estudar a possibilidade de existir no Homem um impulso natural de poder, que o empurre, em direcção ao consumo, isto como forma manifesta de disputa do poder pela compra.