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Uma educação especial para o aluno especial

2006
solenibr@hotmail.com
Bacharel em Psicologia. Pós-Graduado em Psicologia Clínica, Psicopedagogia e Psicologia Empresarial. Professor de Psicologia do Desenvolviemnto, da Educação e de Sociologia. Membro efetivo da Academia Brasileira de Medicina Psicossomática e da Associação

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A educação especial é um tema que, de uns tempos para cá, vem sendo mais e mais estudada dado aos avanços das ciências médicas e humanas de um lado e do reconhecimento da existência de pessoas que apresentam problemas de aprendizagem, mas que precisam estar inseridas no contexto sócio-educativo, do outro.

Partindo dessa realidade, faz-se necessário que analisemos os conceitos que fundamentam as condições que delimita quem é e quem não é peculiar à mesma e que, portanto, acabam fundamentando filosoficamente e ideologicamente a própria natureza da educação especial que fazemos. Isso por uma razão bem simples: se os processos de desenvolvimento são peculiares nas “crianças especiais”, conseqüentemente, também o serão os de aprendizagem e, portanto, também devem sê-lo, os conceitos de adaptação e de normalidade que fundamentam a educação especial. Como diz Marcos Mazzota (1987),...A maioria dos indivíduos diagnosticados como mentalmente retardados revela certo grau de diminuição nas áreas da maturação, aprendizagem e ajustamento social.

Ao fazermos essa análise, não tardamos em ver a importância existente na quebra desses paradigmas que estão na base da educação especial e, por tabela, na sua prática cotidiana, bem como, na relação das pessoas ”normais” com as “pessoas especiais”, em particular, as crianças, decorrentes dessa prática.

Em primeiro lugar, é imperativo que tenhamos a convicção da necessidade de se quebrar os conceitos aceitos acerca da normalidade apontando, concomitantemente, visões práticas alternativas. Isso por ser importante uma desconstrução ideológica deste conceito, principalmente no que diz respeito à regra de se qualificar como errado aquilo que não se enquadra nas normas. Não podemos esquecer que tal regra impossibilita o próprio conceito de construção de conhecimento que, segundo Eunice S. de Alencar, citando Piaget (1995), é construído no contexto das interações sujeito-objeto, tal que nas trocas incessantes entre ambos, algo sempre é corrigido. O que, é lógico, pressupõe a presença dos erros.

Fazemos, exatamente, o contrário disso. Como afirma Vitor da Fonseca (1991), o adulto fixa normas e facilita ou não o acesso a elas. Quando a criança tem dificuldade em satisfazer as normas desejadas, o adulto elabora um julgamento sobre ela e nunca sobre si próprio, adotando uma relação de poder, um certo tipo de colonização e um esquema de conformidade. É com essa ressignificação conceitual que, em relação a esse ponto, podemos ter a esperança de acreditar que a conduta das pessoas para com os alunos especiais seja a de absorver as diferenças dos diferentes, entendendo que ser diferente não é ser melhor nem pior que ninguém, mas, simplesmente, ser único e, portanto, especial e, isso, não por ser deficiente ou mais eficiente. Ainda citando Marcos Mazzotta (1987), não podemos esquecer que a educação implica um relacionamento entre pessoas, de forma a exercerem influências recíprocas. E, essa relação supõe que cada um tenha o seu valor reconhecido.Observe que essa desconstrução de conceitos, por si, só, transforma conceitos. Porém, fica evidente que uma educação especial com conceitos transformados só tem sentido se for também, ela própria, transformadora de conceitos, influenciando diretamente as condutas típicas de pais, professores, educadores, técnicos e, o mais importante, as condutas típicas dos próprios “seres especiais”, já que, inseridos numa sociedade, são sujeitos sociais e sujeitos a sujeitos sociais, tal nos ensina o interacionismo de Vygotsky (1999), ao afirmar que o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam.

Em segundo lugar, e seguindo a mesma lógica, devemos deixar clara a necessidade de fazer a mesma desconstrução ideológica no tocante ao conceito de adaptação ideal a partir dos conceitos de inadaptação existentes, pois é essa desconstrução que possibilitará, de imediato, uma nova visão de aprendizagem, entendida, como a define Maria Lúcia L. Weiss (2002), como um conjunto dinâmico que estrutura os conhecimentos que o sujeito já possui.Em relação a esse conceito, Mazzota (1991) afirma que pensa -se mais em normas e valores sociais, e não em termos de independência funcional. As normas de adaptação são fixadas em função de critérios particulares de rendimento e eficácia.

É a partir dessas quebras conceituais que podemos ver que a educação especial que atualmente é realizada, excetuando-se raras exceções, é uma educação especial que fortalece e perpetua a exclusão, portanto, o preconceito, em detrimento de uma pedagogia inclusiva tão decantada e desejada, desde que seja feita por alguém que não seja nós. Fazemos uma educação especial que visa a inclusão dos inadaptados, “levando em consideração as suas especificidades” como se fosse possível ser diferente, tentando trazer à nossa normalidade aqueles que não são normais de acordo com as nossas normas. Quem não consegue, mesmo tendo motivos justificáveis para tal, é classificado como especial, devendo receber uma educação singular. É por falta dessa desconstrução ideológica dos conceitos de normalidade e adaptação que perpetuamos na política educacional de inclusão a inclusão daqueles que são diferentes, praticando, assim, apenas uma forma diferente de exclusão.

É por falta dessa desconstrução ideológica que continuamos colocando alunos “especiais” em escolas regulares “preparando” professores, pais e alunos para lidarem com ele, quando, no fundo, apenas estamos fazendo um arranjo para continuarmos tratando os diferentes como iguais, perpetuando na discriminação velada, a política preconceituosa da exclusão. Inclusão verdadeira trata de tratar de modo desigual os desiguais e sabe que a sua existência só é real quando para todos e não, apenas, para os portadores de deficiência.

Por esses motivos, temos a convicção que uma educação especial para o aluno especial só é autêntica quando parte da desconstrução ideológicas desses conceitos que a fundamentam para, a partir daí, ter a legitimidade necessária para adentrar na sua realidade, levando em conta a singularidade do desenvolvimento de quem é portador de alguma deficiência que afeta a sua capacidade de aprender e que precisa, portanto, de novo paradigma para o que é ser normal e para o que é capacidade adaptativa. Enfim, como define Laura de Monte Serrat (2000), uma educação especial que entenda que aprender, não se resume a aquisições feitas na idade escolar, mas se amplia a todas as aquisições que o homem realiza durante a vida, no âmbito familiar, social e institucional.

Bibliografia:

ALENCAR, Eunice Soriano de (org). Novas Contribuições da Psicologia aos Processos de Ensino e Aprendizagem. 3a.ed. São Paulo: CORTEZ editora, 1995.

BARBOSA, Laura de Monte Serrat. A Psicopedagogia no âmbito da Instituição Escolar. Curitiba: Eleotério, 2000.

MAZZOTA, Marcos. Educação Escolar: comum ou especial. São Paulo: Pioneira, 1987.

VITOR, Fonseca da. Educação especial. 3a. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

VIGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. 6a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

WEISS, Maria Lúcia. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 9a.ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2002.