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A dor e o controle do sofrimento (II)

2005



Revista de Psicofisiologia (www.icb.ufmg.br/lpf/revista/index_revista.htm)

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A dor e o controle do sofrimento (II) O impacto do exercício físico na Auto-estima, Investimento corporal e sentimentos de Auto-eficácia em estudantes universitárias: estudo exploratório.

INTRODUÇÃO

A dor é uma entidade sensorial múltipla que envolve aspectos emocionais , sociais , culturais , ambientais e cognitivos . Essa "entidade" possui um caráter muito especial , que vai variar de pessoa para pessoa , sob influência do aprendizado cultural , do significado atribuído à situação em experiências anteriores vividas e recordações destas , bem como nossa capacidade de compreender suas causas e conseqüências .

A dor invoca emoções e fantasias , muitas vezes incapacitantes , que traduzem o sofrimento , incerteza , medo da incapacidade , da desfiguração e da morte , preocupação com perdas materiais e sociais são alguns dos diferentes componentes do grande contexto dos traços que descrevem a relação doente com sua dor .

Por sofrer dessas várias e essencialmente individuais influências , não se pode traçar uma relação constante e previsível entre a dor e lesão orgânica , apesar de essa relação parecer , geralmente , tão evidente . Há muitas situações onde a relação entre a intensidade da dor e a gravidade de uma lesão não existe , ou a lesão pode ocorrer sem dor ou a dor sem lesão orgânica notável. Observa-se casos , por exemplo , de lesões sem dor onde o valor adaptativo da dor é perdido , porque não se consegue assegurar as reações necessárias para se prevenir inflamações e/ou infecções . Pacientes que não sentem dor adicionam freqüentemente novas agressões às suas lesões , chegando não raro a mostrar quadros clínicos extremamente graves.

Apesar do grande desenvolvimento observado , nos últimos anos , no campo do conhecimento sobre a fisiopatologia da dor , alguns estudos revelam que , em várias situações clínicas , o fenômeno doloroso não é adequadamente controlado pois , freqüentemente , muitos dos componentes não-nociceptivos do sofrimento ( limitações nas atividades diárias , profissionais , sociais e familiares , o comprometimento do ritmo do sono , do apetite e do lazer) não são enfocados e tratados.

Vários estudos psicológicos e antropológicos têm demonstrado que a sensação da dor não depende apenas da lesão orgânica , mas , por outro lado , o meio cultural desempenha um papel fundamental na sensação de dor . Há casos em que mesmo em estado de vigília , pessoas de várias culturas sentem de forma consideravelmente diferente a dor perante um estímulo agressivo. Em vários casos constatou-se a ausência da percepção dolorosa , não havendo ao menos transmissão de estímulos até o nível cerebral. Indivíduos envolvidos em vários ritos característicos de suas culturas são capazes de suportarem agressões orgânicas sem ao menos esboçarem sensação de dor .

Afirma-se freqüentemente , que as variações da experiência dolorosa entre pessoas devem-se a "limiares de dor" diferentes. Após essa análise dos dados obtidos em experiências, demonstrou-se, que todos os indivíduos, sem distinção de origem cultural, tem um limiar de sensações uniforme. Em outras palavras, o aparelho de condução sensitivo parece ser essencialmente o mesmo, em todos os nervos, sendo que um determinado nível de estimulação desencadeia sempre uma sensação sob condições experimentais .

Por outro lado , o limiar da dor pode ser alterado de acordo com o ambiente social e a história cultural do indivíduo; como também pelo sentimento de poder controlar a dor são importantes na modulação de seu limiar. A administração de placebos a pacientes com dor tem uma eficiência de drogas de praticamente 50% comparada com a eficiência de drogas anestésicas na capacidade de aliviar a dor . Sobre a suposta ação da hipnose na modulação da dor , especula-se que há uma ação consciente do hipnotizador sobre parte da mente do hipnotizado , pois, ao nível cerebral as mensagens de dor são registradas, apesar de se poder fazer com que não sejam sentidas .

A atenção, a ansiedade e distração são fatores que influenciam na percepção da dor . Concentrar a atenção em uma situação potencialmente dolorosa gera uma tendência a se sentir dores mais intensas que o normal, enquanto que se distrair pode diminuir a sensação dolorosa ou até mesmo aboli-la. Um atleta, por exemplo , se apercebe, às vezes, de uma dor só após o término de uma competição em que estava envolvido e em que foi ferido. A distração, porém, só é eficaz quando a dor é constante ou se intensifica lentamente. Dores que surgem súbita e intensamente não são suficientemente influenciadas por este tipo de fator psicológico.

No caso da chamada dor aguda, que comumente está associada a dano tecidual, a percepção da sensação da dor atua como um sinal que induz a pessoa a adotar comportamentos que objetivam afastar , reduzir ou eliminar a causa da dor. Essas reações são significativamente influenciadas pelo contexto sócio- cultural no qual ocorreu a lesão e a dor, pelo estado psicológico do indivíduo no início da experiência dolorosa e pela personalidade pré-mórbida do mesmo . As reações afetivas predominantes associadas à dor aguda são a ansiedade e a resposta de estresse com as manifestações de hiperatividade simpática concomitantes.

Em contraste com a dor aguda, a dor crônica tem função biológica diferente e associa-se à muita hiperatividade autonômica. Os doentes com dor crônica, geralmente, exibem sintomas neurovegetativos como alterações nos padrões de sono , apetite, peso e libido , associados à irritabilidade, alterações de energia ,diminuição da capacidade de concentração, restrições nas atividades familiares, profissionais e sociais . Há geralmente , maior expressão de sinais somáticos da doença orgânica e manifestações emocionais de depressão, ansiedade e hostilidade. Neste caso é importante perceber que existem dores tais que não têm nenhum significado útil e que a dor crônica pode ser muito prejudicial ao homem.

Assim, a dor engendra vários desafios: para o doente, que deve muitas vezes aprender a suportá-la; para o médico, que deve procurar exaustivamente os meios necessários para aliviar o sofrimento deste doente; para os cientistas, que tentam compreender os mecanismos fisiológicos que a originam e os terapêuticos que possam controlar e finalmente, para a sociedade, que deve apontar meios médicos , científicos e financeiros, para definir e controlar, da melhor forma possível, a dor e o sofrimento , para atingir uma comunidade humana no sofrimento e nas formas terminais de vida.

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